“Stabat Mater dolorosa, iuxta crucem
lacrimosa, dum pendebat Filius”...
(Fragmento da sequencia cantada na memória de Nossa Senhora das Dores).
Se
por breve instante fechássemos os nossos olhos e nos transportássemos àquela
véspera da páscoa dos judeus, encontraríamos a Mãe dolorosa que estava junto a
Cruz lacrimosa, vendo o filho que pendia, sofria e entregava-se todo a Deus
Pai, para a nossa reconquista do estado perdido pelos primeiros pais no jardim
de Éden. Sim, meus caríssimos amigos, junto ao nosso Salvador e Redentor,
estava de pé sua Mãe e nossa, que com ele o único Salvador, tornava-se por
participação nos infinitos dons de Deus nossa Corredentora.
Este
sagrado título dado a Mãe de Deus é muito querido por todos os cristãos e em
nada denigre ou obscurece o entendimento real dos fiéis acerca da única
mediação e salvação que nos foi dada por Cristo através de sua paixão, morte e
ressurreição; pelo contrário, faz-nos ainda mais entendermos como o amor de
Deus foi inenarrável por todos nós, pois, quis incluir uma criatura humana, a
Virgem Santíssima, no seu desígnio salutar de salvação de todo o gênero humano.
Confirma-nos
este querer divino a própria Sagrada Escritura e, bem como, a Sagrada Tradição
defendida com forte ortodoxia pelos Padres e seus posteriores. Desde muito
cedo, já no Proto-Evangelho do Gênesis foi prometido que a Mulher e seu Descendente
vencerão o mal, em contraposição ao pecado de desobediência cometido por Eva.
Mais adiante, em outros livros do vetusto Testamento encontramos figuras de
mulheres fortes como Agar, Resfa, Raquel e com o mesmo valor que as demais lembremo-nos
a mãe dos macabeus que, encorajando seus filhos ao martírio e sabendo que
também iria morrer foi persistente, firme e sem medo, figura perfeita daquela que
sofreria de pé junto ao seu Filho que morreria mártir pelos nossos pecados.
Podemos
ainda observar as mulheres que possuem virtudes heróicas tais como: Débora,
Judith, Ester e Rebeca que nos lembram a Senhora do mundo nos seus gestos de
salvação para aqueles que dela precisam, por intermédio de suas preces e
virtudes. E, porque não lembramos também das figuras inanimadas como a arca de
Noé, a rocha ferida por Moisés no deserto, a coluna de nuvens e entre outras
que representam a sua excelsa, mas dolorosíssima missão de Corredentora de todo
o gênero humano.
Já
no Novo Testamento, não vemos mais prefigurações, mas a própria economia da salvação
plenamente realizada por todos os gestos de Nosso Senhor Jesus Cristo e sempre
presente em sua missão divina a sua bondosa Mãe, auxílio de todos os que crêem
em seu Filho. De forma direta a Virgem de Nazaré colabora com o cumprimento dos
desígnios divinos ao consentir que em seu seio puríssimo venha habitar aquele
que todo o universo não pode conter.
Ainda
podemos nos recordar que no momento do calvário também ela, a Mãe do
crucificado, dividiu com ele suas dores e da mesma forma do Pai que oferece seu
Filho em resgate pelo gênero humano, Maria Santíssima consente silenciosamente
que seu filho leve a termo a reentronização da humanidade perdida na vida
divina. Poderíamos, contudo, perguntar: para que fim, esta presença de Mãe tão
terna e pura naquele ambiente tão inóspito do calvário? “Só uma explicação é
possível: aí estava, levada pelo sentimento do dever; estava porque bem sabia
que devia desempenhar ali uma parte importantíssima, da qual não se podia prescindir;
estava nesse lugar porque bem sabia que cabia também a ela oferecer em
sacrifício o novo Isaac pela salvação do gênero humano, renunciando
generosamente – como já havia feito no dia da Anunciação – aos direitos maternos
que tinha sobre aquela Vítima Divina” [1].
Depois
do exposto, recorramos ainda ao que advoga a Tradição através dos Padres a
respeito deste augusto título conferido ao Refúgio seguro de todos os pecadores
e Porta do Céu. Partindo do paralelismo feito pelo glorioso Apóstolo São Paulo
entre Adão e Cristo (novo Adão), cedo os Padres trataram de recordar-nos e
completar-nos que para a Eva pecadora vislumbrou-se a Maria, tota puchra et sine labe originali concepta.
É
extremamente necessário que tomemos conhecimento do texto e logo concluamos o
raciocínio juntamente com o pensamento dos Padres. Diz o Apóstolo das gentes em
sua primeira carta aos Coríntios capítulo 15, 22: “Da mesma maneira que todos
os homens morrem em Adão, todos receberão a vida em Jesus Cristo.” Percebamos
então meus amigos o que São Paulo está afirmando: Da mesma maneira... logo no
conselho divino, a semelhança entre prevaricação e redenção abraça também as
circunstâncias de uma e de outra, e especialmente aquela que é principalíssima
entre todas, isto é, que Maria seja na redenção o que Eva foi na prevaricação.
Desta forma advogam então os Santos Padres: como na prevaricação Adão e Eva
formaram um grupo inseparável e, feitos vítimas da serpente infernal, foram a
causa de nossa ruína, do mesmo modo na reparação Jesus e Maria formaram um
grupo inseparável e, exercendo a vingança sobre a serpente infernal, se
tornaram a causa de nossa salvação.
Sobre
esta afirmação, temos o testemunho de São Justino Mártir (103-165) que afirma que
o princípio e o fim da desobediência deviam assemelhar-se e conclui que, como a
desobediência não teve princípio sem o concurso da mulher – Eva, virgem –
também não teve fim sem a cooperação da mulher, Maria Virgem.
Tertuliano
(160-240) acerca deste tema diz que, Deus nos remiu com um plano e uma operação
rivais. A culpa incorrida por Eva ao crer (na serpente) foi cancelada por Maria
ao crer (no Arcanjo).
Mais
recentemente podemos ainda citar o parecer do Pe Bartolomé de los Ríos. O.S.A,
um respeitável e célebre teólogo do século XVII, que afirma: “Ainda que não
fossemos servos da Virgem Maria por ser a Mãe de Deus, o seriamos pelo fato de
ela nos ter resgatado da servidão ao demônio. O preço que devia pagar-se por
nosso resgate, mais precioso que o ouro
e a prata, quer dizer, o Corpo e o Sangue de Cristo, ela o forneceu. Por isso
podemos chamá-la Corredentora do mundo. Cristo a quis associar a sua obra
redentora, não por necessidade, mas por pura condescendência de sua infinita misericórdia”.
E
reafirma: “Ao consentimento de Maria [na Encarnação] submeteu Deus a sentença
de nossa Redenção. Porém, é preciso acrescentar que Maria deu seu consentimento
em nome de todo o gênero humano, e se estende a Encarnação redentora enquanto
tal, por isso a podemos chamar: causa da nossa Redenção e Corredentora do
gênero humano”[2].
Para
completar esta pequena alegação da Corredentora Mãe de Deus e nossa, quero
ainda trazer ao nosso conhecimento o que pensam alguns Sumos Pontífices sobre o
tema:
Pio IX: “Em
conseqüência disto [da inimizade existente entre Maria sempre Virgem e a
serpente infernal], assim como Cristo, Mediador entre Deus e os homens,
assumindo a natureza humana destruiu o decreto de condenação que havia contra
nós, cravando-o triunfalmente na cruz, assim também a santíssima Virgem, unida
com ele por um liame estreitíssimo e indissolúvel, foi, conjuntamente com ele e
por meio dele, a eterna inimiga da venenosa serpente, e esmagou-lhe a cabeça
com seu pé virginal”[3].
Leão XIII: “A Virgem
Imaculada, escolhida para ser Mãe de Deus, e por isto mesmo feita Corredentora
do gênero humano, goza junto a seu Filho de um poder e de uma graça tão grande,
que nenhuma criatura, nem humana nem angélica, jamais pôde nem jamais poderá
atingir uma maior”[4].
Pio X: “Em conseqüência
da comunhão de sentimentos e de dores entre Maria e Jesus, a Virgem fez jus ao
mérito de se tornar legitimamente a reparadora da humanidade decaída e,
portanto, dispensadora de todos os tesouros que Jesus nos adquiriu por sua
morte e por seu sangue”[5].
Concílio Vaticano II:
“[Maria] concebeu, gerou, nutriu a Cristo, apresentou-o ao Pai no templo,
compadeceu com seu Filho que morria na cruz. Assim, de modo inteiramente
singular, pela obediência, fé, esperança e ardente caridade, ela cooperou na
obra do Salvador para a restauração da vida sobrenatural das almas. Por tal
motivo ela se tornou para nós Mãe na ordem da graça”[6].
Pois
bem caríssimos amigos, chegados que somos ao término desta brevíssima reflexão a
respeito deste glorioso título da Mãe de Deus, quis demonstrar-vos segundo a
Sagrada Escritura, Tradição e Magistério o que pensam todos acerca da ideia de
Maria Santíssima como Corredentora.
Bem
sabemos que muito se pensa e se pede para que esta verdade se torne dogma de fé,
todavia sendo ou não proclamado este dogma mariano temos consciência, como
autênticos cristãos e filhos da santa Igreja Católica, que ainda assim não
diria e não se louvaria bastante as virtudes e méritos com os quais ornou a
esta sua filha, Mãe, esposa e templo, a santíssima Trindade.
Como
dizem os santos de Maria nunquam satis,
de fato meus amigos, da Virgem Mãe de Deus, concebida sem pecado e Corredentora
do gênero humano, nunca se dirá o suficiente, porque a bondade, o amor e a
misericórdia divina derramadas sobre ela em vista de toda humanidade foi sem
limites.
Por
isso ao Deus Uno e Trino, Senhor do Tempo e da História, Autor de nossa
Salvação, todo louvor, toda honra e toda glória por nos ter dado a conhecer seu
Mistério abscôndito desde sempre através Encarnação do Verbo Divino no seio
puríssimo da humilde serva do Senhor.
Corredemptrix
generi humanis, ora pro nobis!
Em Jesus por Maria!
Seminarista Robson Paulo
Aluno
do 3º ano de Teologia do Seminário Arquidiocesano de São Pedro, Consagrado a Maria Santíssima.
[1]
ROSCHINI, Gabriel. Instruções Marianas. São Paulo: Paulinas, 1960. P. 86-89.
[2] BARTOLOMÉ DE LOS RÍOS. De Hierarchia Mariana,
p. 61; 67.
[3] PIO IX. Ineffabilis Deus: Bula, 8 dez. 1854.
[4]
LEÃO XIII. Supremi Apostolatus: Epistola, 1 set. 1883.
[5]
PIO X. Ad Diem Illum Laetissimum: Enciclica, 2 fev. 1904.
[6]
CONCÍLIO VATICANO II. Lumen gentium: Constituição Dogmática.