A primeira Carta Encíclica de Francisco dá o tom de seu estilo pastoral, apesar do projeto inicial ter sido concebido por Bento XVI, que ali traçou algumas ideias. No entanto, o uso de certas expressões, a riqueza de imagens a que faz referência, algumas citações de autores antigos e modernos fazem desse texto uma introdução ao pensamento do atual Pontífice, permitindo melhor compreensão de sua visão teológica.
No documento, Francisco emprega basicamente três verbos: caminhar, construir, confessar. São os
mesmos de sua primeira homilia aos cardeais, no dia seguinte à sua eleição. De
certa forma, podemos dizer que a encíclica está estruturada sobre
este eixo. Dividida em quatro capítulos, mostra que se deve continuar a
experiência que a Igreja viveu durante O
Ano da Fé, com tantos fatos significativos.
Há encíclicas que se tornaram famosas pelo seu conteúdo,
por exemplo, a Rerum Novarum (1891), de Leão XIII. Outras passarão
à história pelo caráter inédito de sua gênese. É o caso da Lumen
Fidei. O texto escrito a quatro mãos tem de insólito o fato de que os dois
protagonistas estão vivos: um papa emérito e outro reinante. Não seria um caso
sem precedentes, se Bento XVI fosse falecido, pois a primeira Carta de
Ratzinger (Deus caritas est) utilizou material póstumo de João
Paulo II. A novidade, portanto, está no fato da Lumen Fidei ter dois coautores. É o que expressa Francisco no
começo do documento: Bento XVI “já tinha completado praticamente uma
primeira redação desta carta encíclica sobre a fé. A ele agradeço de coração e,
na fraternidade de Cristo, assumo o seu precioso trabalho, acrescentando ao
texto algumas contribuições”.
No século XX, Pio XI bateu recorde em matéria de
encíclicas, escrevendo quarenta e uma. No entanto, Francisco é o papa que publica
a primeira em menos tempo, (quase quatro meses), após ser eleito. Mais rápido
ainda que João Paulo II, ao escrever Redemptor hominis, no sexto mês
de seu pontificado.
Desde sua eleição como Papa, Bergoglio vem insistindo
sobre a centralidade da fé. Parece-nos que seu programa está sintetizado na
última parte da encíclica: “A luz da fé
não nos leva a esquecer dos sofrimentos do mundo. Quantos homens e mulheres de
fé receberam a luz das pessoas que sofrem! São Francisco de Assis, do leproso;
a beata Madre Teresa de Calcutá, dos seus pobres”.
Talvez pudéssemos resumir a Lumen Fidei em poucas
palavras: um humanismo evangélico. “A fé
não é a luz que dissipa todas as nossas trevas, mas é uma lâmpada que guia
nossos passos na noite e isto basta para o caminho. Não é prestar assentimento
a um conjunto de verdades abstratas, mas fazer a vida entrar em comunhão plena
com o Deus vivo”.A fé não é obscurantista, tampouco intransigente. É a
primeira vez que um papa fala nisso, contradizendo a tese de alguns:“ o catolicismo não pode se separar da
intransigência”. Na Lumen Fidei, o Papa diz claramente que o
católico não pode ser arrogante. Ao contrário, deve ser humilde, pois se refere
a uma verdade que não lhe pertence: o Deus do Amor e da Misericórdia. Sem
dúvida, é uma mensagem cheia de paz, sabedoria e bondade.
Francisco,
pouco a pouco, está ocasionando mudanças na Igreja e na relação desta com a sociedade. Seus gestos têm
mostrado uma nova face do catolicismo. Assim o fez, quando afirmara que deseja “uma Igreja pobre e para os pobres” ou
anunciou que “para minha própria saúde
mental, fico morando em Santa Marta,
porque não quero viver isolado”. Ou, ainda, quando, em audiência para seis
mil seminaristas e noviças, num discurso improvisado, asseverou:“dói ver uma freira ou um padre com o último
modelo de carro”. Em Roma, há quem antecipe que, após a Lumen Fidei, logo virá outra, tendo como
eixo a bem-aventurança bíblica dos pobres.
Pe. João Medeiros Filho, indigno escravo de amor
Para citar esse artigo:
Pe. João Medeiros Filho - "Lumen Fidei"
Fraternidade Discípulos da Mãe de Deus